Thursday, January 18, 2007

Nova poesia portuguesa .03

As tarefas complexas da urbanidade
colocam problemas
às cabeças que delas cuidam para
o bem estar geral e do delas próprias.

Dito isto, ocorrem-me duas coisas de enorme simplicidade,
e nenhuma delas é a simplicidade ela própria,
desarmante e recôndita e fechada e no entanto à mão,
tanto.
E de tanto circunlóquio esqueci-me,
de tanta coisa.

Severo Laico, in «Equação com expoente infinito», 2007

Saturday, December 16, 2006

Chuínga .04

A investigação levar-me-ia à Boca do Inferno em breve, mas nessa noite esperavam-me as portas do paraíso, abertas pelo generoso adiantamento de Homero César. Um detective de recorte clássico começa de fora e vai espiralando o seu caminho para o interior. Primeiro, um banho escaldante no afamado estabelecimento de Madame Sakala, dama maciça em pose de rainha africana, seguido de massagem minuciosa por mãos delicadas mas decididas. Dopo, destilagem escocesa de quinze anitos afogada em gelo - uma heresia para os puristas, eu sei, mas os prazeres são para prolongar. O melhor estava por vir. Tinha já mesa marcada no Chez Pepe, e era noite de ementa especial.

Wednesday, November 29, 2006

Nova poesia portuguesa .02

tGvIvG

Houvera já TGV e mais rápido seria
ir ao lado, à IVG.
Não, não não, ao lado não,
baralhas a discussão,
dirão.
Esqueçamos a locomotiva,
fique legal e pague IVA.
Qual a sua posição,
neutral, activa, passiva,
acha que sim, ou que não?

Permanece uma questão:
Os hermanos chamam-lhe o quê?
Ao TGV e à IVG?

Noémia Calafate, in «Nas rosas com os tachos», 2006

Tuesday, November 21, 2006

Resumos para leitores apressados .01

Memorial do convento, de José Saramago

Uma bruxa e um maneta apaixonam-se. Ele participa na construção do convento de Mafra. Voam na passarola de Bartolomeu de Gusmão. Ele desaparece, ela procura-o, ele é queimado na fogueira inquisitorial. Fim.

Tuesday, November 14, 2006

"Pequenas memórias"

Um Nobel discorre sobre os tempos em que os PC's tinham discos rígidos de fraca capacidade.
As más línguas dizem que a rigidez continua e até piorou.

Friday, November 10, 2006

Chuínga .03

«Encontre Constança e a boa sorte surgirá na forma de notas de banco».
Era uma oferta que eu não podia recusar. Abandonei a pose displicente. Tirei os pés de cima da secretária, apaguei o cigarro que estivera pendurado, moribundo, ao canto da boca e dispus-me a ouvir as informações do meu novo cliente. A escritora desaparecida fora vista pela ùltima vez na Boca do Inferno, num dia de temporal. Não estava posta de parte a hipótese de ter caído ao mar, mas César não acreditava nesse cenário.
«Demasiado teatral, mesmo para ela».

Monday, November 06, 2006

Chuínga .02

A mulher traída não tardou a surgir. César, editor triunfante de obras leves no conteúdo mas maciças nos proventos, ligara-se, em termos que excediam largamente os profissionais, a uma das suas autoras. Mas, qual homónimo de tempos idos, a sede de conquista estava entranhada em si, e não conseguia deixar de perseguir outros géneros literários. Despeitada no amor, que não no físico, a autora... chamemos-lhe Constança, o sigilo impede clarezas maiores... Constança desaparecera levando consigo o manuscrito da presumível bomba literária do ano. Bomba no sentido em que César apostava nela para rebentar os seus cofres bancários, de tão cheios.
E agora recorria a mim para encontrar a galinha da obra de ouro. Porquê eu? Dentre todos os detectives privados desta cidade manhosa, porquê eu?
«A sua fama precede-o, senhor Ego»
«E a má sorte persegue-me»